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Foto: Reprodução |
A banda Fleur de Lys nasceu
para animar o São João dos brasileiros na cidade de Quebec. Ingressos de um dos
shows chegaram a esgotar nas duas primeiras horas de venda.
Seis nordestinos e uma
enorme responsabilidade: ajudar outros brasileiros que moram no Canadá a matar
a saudade do forró. Na cidade de Quebec, a banda Forró Fleur de Lys surgiu para
animar os festejos juninos e celebrar as raízes da comunidade brasileira na
região. O São João da Ilha, realizado neste sábado (29), esgotou os 500
ingressos nas primeiras horas de venda.
Os integrantes da banda têm
vários pontos em comum: eles têm orgulho da música brasileira, cresceram em
capitais nordestinas (um em Fortaleza, dois em Salvador, três em Recife) e
foram para o Canadá pelo programa de migração para trabalhadores qualificados.
No fim de maio, a banda já
tinha eventos marcados, mas faltava quem tocasse sanfona. Foi quando os
integrantes encontraram o perfil do músico cearense Thiago Mendonça em uma
página de divulgação para produtos e serviços brasileiros em Quebec.
“Eles me mandaram mensagem e
disseram: se toca piano e é do Ceará, deve tocar sanfona também”, recorda
Thiago, que mora no Canadá há quase um ano.
Ele não se considera
sanfoneiro e aponta que há acordeonistas habilidosos no país. Mas acompanhar um
forró é o diferencial onde o instrumento é utilizado principalmente na música
clássica europeia ou nas festas folclóricas das comunidades alemãs e polonesas.
Aos 39 anos, Thiago é
graduado em música pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e atua como
professor em escolas do ensino secundário. Lecionar tem sido a atividade
principal na cidade de cerca de 500 mil habitantes. É um contraste com a rotina
de eventos com música ao vivo que ele tinha em Fortaleza.
Nos concertos das escolas
onde ensina, Thiago consegue mostrar outros ritmos brasileiros para os alunos,
pais e professores. Mesmo que seja necessário simplificar os arranjos para que
os alunos consigam executar. O músico também leva a brasilidade às
apresentações com uma banda de jazz na cidade.
“A bossa nova e o samba
chamam atenção. Os canadenses apreciam muito e conhecem João Bosco, Tom Jobim,
por exemplo. Alguns têm a influência do Gilberto Gil e gostam dos ritmos
baianos, do afoxé. Mas eles não conhecem o forró. O público (da Fleur de Lys)
tem sido quase 100% brasileiro”, compara o músico.
A nova banda já fez três
apresentações em eventos de São João para imigrantes brasileiros. Uma delas foi
no dia 23 de julho, na pequena cidade de Sherbrooke, situada a cerca de 60
quilômetros da fronteira com os Estados Unidos. Os festejos são em julho mesmo,
aproveitando a chegada do verão no país.
No dia 29 de julho, um
sábado, a apresentação foi no São João da Ilha, que reuniu 500 pessoas para um
arraiá brasileiro no Parc-des-Ancêtres. O parque fica na Ilha de Orleans,
rodeado pelo rio São Lourenço. Os ingressos esgotaram nas primeiras duas
horas de venda, ainda no mês de junho.
“Desde a primeira vez, as
pessoas gostaram muito. Tem pessoas que moram aqui há vários anos e não ouviam
um forró ao vivo há muito tempo. E tem uma atmosfera emotiva. Tem a comida
típica porque, com mais brasileiros aqui nos últimos anos, tem sido possível
encontrar ingredientes para fazer o vatapá, a pamonha. Encontramos muitos
nordestinos por aqui e muitas pessoas com a memória de dançar quadrilha. Muita
gente se emociona”, partilha Thiago.
E de tão brasileira, a festa
teve até cambista: quem não conseguiu comprar a tempo encontrou ingressos
revendidos por até 50 dólares canadenses. O preço original era de 20 dólares
canadenses.
O nome Fleur de Lys também
reflete a fusão de culturas. É uma referência à flor de lis, que aparece na
bandeira da província do Quebec. A grafia busca facilitar a pronúncia no
francês, idioma falado no cotidiano da província.
E o símbolo lembra também o
lírio e as flores do Nordeste brasileiro, como explica o pernambucano Mauro
Marques, de 51 anos, que criou a banda.
Formado em Administração,
Mauro se mudou com a esposa e os filhos para o Canadá há dez anos como
profissional qualificado. A família buscava novas experiências e melhores
condições de vida.
Ele aprendeu a tocar violão
ainda na infância, mas havia deixado a atividade de lado. Com a vida de
funcionário público em Quebec, encontrou espaço para se dedicar à música.
Mauro conheceu outros
pernambucanos na mesma cidade e criou a banda Capitale du Samba, com pagode e
samba nos encontros com amigos. Enquanto pessoas mais jovens costumam ir ver a
banda de samba, ele percebe que o forró tem reunido famílias inteiras.
Para formar a Fleur de Lys
em 2023, Mauro chamou os amigos e começou a ensaiar um repertório voltado para
o forró pé de serra e as canções mais tradicionais do Nordeste, como os
sucessos de Luiz Gonzaga a Fagner. Na formação atual, ele canta e toca violão.
“Não somos todos músicos
profissionais. Cada um tem a sua profissão, e o objetivo é se divertir, juntar
os brasileiros. Eu acho que a música é um elo muito grande com o Brasil. É uma
forma de manter acesa essa cultura, pensando também nas próximas gerações, nos
filhos dos brasileiros que estão aqui e que não têm muito contato”, explica
Mauro.
Ele aponta que há outras
bandas de forró em cidades maiores, como Montreal e Toronto. Na pequena Quebec,
a Fleur de Lys espera seguir uma agenda de apresentações após os festejos
juninos.
Quase todos os instrumentos
da banda foram encontrados no Canadá. Até mesmo os que são mais característicos
dos ritmos nordestinos, pois a sanfona e o triângulo também fazem parte das
orquestras e da música clássica.
Mas a zabumba precisou ser
brasileira. A que é usada na Fleur de Lys chegou em 2016, bem antes da ideia da
banda. Foi levada quando o pernambucano Marcelo Borba, de 49 anos, deixou o
Brasil. Ele é formado em Educação Física e trocou de profissão no Canadá,
trabalhando hoje como desenhista industrial.
“É o instrumento que eu
gosto mais de tocar, eu tinha certeza de que não encontraria aqui. Eu enchi de
roupa e de coisa dentro. Embalei todinha e trouxe como segundo objeto (da
bagagem). Foi bom porque ela serviu também como uma mala”, brinca Marcelo.
Marcelo tocou bateria em uma
banda de rock na adolescência e cresceu acompanhando os movimentos culturais de
Recife. Ele sabia que precisaria da zabumba em Quebec, mas começou utilizando o
instrumento de uma forma improvisada em um grupo de maracatu.
Com o forró, a zabumba agora
cumpre totalmente sua função. O dono confessa que é bastante ciumento em
relação ao instrumento, pois só poderia comprar novas peles no Brasil.
Além de celebrar a música e
a cultura nordestina, Marcelo tem apresentado o forró para a namorada canadense
e para os amigos dela de Quebec.
As apresentações da Fleur de
Lys têm um momento especial: a quadrilha improvisada. É o momento de lembrar os
passos tradicionais e colocar brasileiros e pessoas de outras nacionalidades
para dançar em grupo.
Quem comanda os passos é
Ivan Perez, de 49 anos, que canta e toca violão e triângulo na banda. Formado
em Administração, ele migrou em 2012 e hoje é funcionário do governo canadense.
A função de puxar a
quadrilha já era assumida por ele quando participava dos festejos em Salvador.
Aos 17 anos, Ivan começou a cantar e tocar violão em um bar da capital baiana.
Foi o começo de uma convivência com vários instrumentos. Ele também costumava
tocar nas festas juninas e nos carnavais da Bahia.
Nas quadrilhas improvisadas
no Canadá, ele busca adaptar a dinâmica que costumava conduzir. O público tem
crianças, adultos e idosos. Por isso, algumas brincadeiras de duplo sentido
ficam de fora.
"Eu sempre puxei
quadrilha lá em Salvador. A gente fazia todo a parte da dança, dos passos
tradicionais. E aí terminava com uma safadeza para ver se a galera se
beijava", brinca Ivan.
O enfermeiro Diego Reis, de
38 anos, também veio de Salvador e integra a banda, assumindo a flauta e o
saxofone. Ele foi para o Canadá em 2017 por trabalhar em uma das áreas onde há
carência de profissionais no país.
Ele começou a trajetória com
a música na escola militar. E se inseriu no contexto profissional, acompanhando
artistas baianos enquanto morou no Brasil.
Agora como residente de
Quebec, Diego mantém um estúdio de gravação de onde ainda faz trabalhos remotos
para artistas brasileiros, como a banda Ara Ketu. E continua em parceria com
Mauro na Fleur de Lys e na banda de samba.
"Aqui é uma cena
(musical) fechada, é difícil você ir em um lugar e ver música ao vivo. Vai ter
em um teatro ou num evento grande. Em eventos pequenos, é muito difícil
encontrar. A comunidade brasileira é acostumada com isso. Então a gente está
meio que abrindo o mato fechado, trazendo a cultura da gente e a música da
gente de uma forma mais profissional", reflete Diego.
Por enquanto, as
apresentações têm sido uma iniciativa dos brasileiros em eventos privados. Para
Diego, a expectativa é mostrar aos empreendimentos locais o potencial da música
estrangeira como atividade que atrai o público e gera lucros.
Um alento
Os profissionais de
tecnologia da informação também são bastante requisitados no país. Há quatro
anos, Lucas de Carli também deixou o Recife para viver em Quebec. Ele tem 36
anos e é arquiteto de nuvem, função também conhecida como arquiteto de cloud.
Ele se apaixonou pela nova
cidade e pelo estilo de vida que a família encontrou. No tempo livre, ele quis
se cercar de pessoas envolvidas com a música. E começou a estudar Produção
Musical.
Fonte: G1
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